Mekukradjá Obikàrà: com os pés em dois mundos foi uma mostra de fotografias e filmes que aconteceu em 2023 no Museu de Arte Contemporânea de Niterói, e teve curadoria do coletivo Beture, comunicadores do povo mebêngôkre (kayapó). A exposição ocorreu no mezanino do museu e propôs um percurso pelo universo desse povo.
A expressão “mekukradjá obikàrà” é traduzida como “cultura misturada” em português. Este tema, escolhido pelos curadores, visou mostrar como as novas gerações percebem a transformação de sua cultura, mantendo a reverência pela sabedoria ancestral e, ao mesmo tempo, incorporando e reinterpretando materiais e elementos da cultura dos não-indígenas.
O projeto expográfico consistiu em uma proposta de percurso pelo kikré burun, a parte de trás das casas, um percurso pela periferia de uma aldeia, pelos quintais, aproveitando-se da própria forma circular do espaço do museu. Dando suporte aos diferentes temas que se sucediam à cada sala, o projeto buscou criar uma tradução da experiência e dos elementos encontrados nas aldeias mebêngôkre para a sala de exposição.
A primeira sala contou com a apresentação do coletivo Beture e um grande painel com cerca de 10m de comprimento pintado por mulheres mebêngôkre em uma atividade no encontro nacional dos povos indígenas, o Acampamento Terra Livre, em 2023. O tecido foi exposto em um suporte feito em módulos de sarrafo de madeira.
Dessa sala, partia-se para a instalação audiovisual Amanhecer em que o visitante era convidado a ouvir um mito deste povo, contado por um ancião, Raoni Metuktire. A instalação transmitia a atmosfera enevoada de um amanhecer na aldeia através de uma estrutura circular, feita com pilares de madeira e blocos de concreto que sustentavam tecidos translúcidos.
Nas salas seguintes: território, luta, festa, as fotografias foram expostas em suportes “flutuantes”, molduras de madeira suspensas, fixadas no teto por fios transparentes de nylon. Nas paredes, em monitores ou em grandes telas foram exibidos filmes diversos feitos pelos cineastas mebêngôkre que apresentavam as práticas cotidianas de seu povo, como por exemplo, o preparo da tinta de jenipapo produzido por Kokokaroti Txucarramãe Metuktire.
Na sala destinada à luta pelos seus direitos, estavam presentes os temas da demarcação, das disputas territoriais, das invasões, do garimpo, das construções de infraestruturas, das manifestações em Brasília, … Esses acontecimentos situavam-se em uma grande cronologia com fotos, mapas, textos, notícias de jornais e filmes. Destacou-se nessa sala a importância história de uma grande liderança, a cacica Tuire Kayapó. Em um módulo duplo, proposto pela expografia, feito em estrutura de sarrafos de madeira e compensado a foto emblemática tirada em Altamira nos anos 80 foi reproduzida.
Na sala destinada à festa, uma pequena instalação de uma casa mebêngôkre, feita de madeira roliça e cobertura de palha produzida pelos próprios indígenas, mostrava uma cena típica nas aldeias: uma televisão passando os longos filmes de festas, antigos e atuais. Em frente à ela, uma cadeira industrializada com os pés cortados para que seu assento ficasse mais baixo, como costumam usar.
Uma cultura misturada foi apresentada em suas expressões mais contemporâneas na última sala. Dessa vez, o espaço amplo permitia a visualização de um grande telão os clipes de “Refloreste-se” de Matsi Waurá Txucarramãe, o forró NB e filmes curta-metragem feitos pelos indígenas, remetiam ao ambiente das praças das cidades próximas às Terras Indígenas, onde também frequentam. Cocares de pena junto a cocares de canudo, artesanatos de miçangas, faixas de nomeação de cacique, clipes de TIktok mostravam esse mundo em transformação. Segundo as palavras de Mayalú Waurá Txucarramãe, presente em uma das paredes dessa sala:
“O povo mẽbêngôkre tem a característica de trazer para o seu costume a arte do outro povo, porque isso demonstra o quanto que eles são capazes de fazer igual ou melhor. É uma característica do povo mēbêngôkre: passar por outros costumes, por outros modos de vida que são reproduzidos dentro do território, sem problema nenhum, sem distinção. Mas tendo a consciência de que é de um outro povo, que eles são capazes de transferir, de trazer, de aproximar a cultura do outro para a deles. Sem deixar de lado o que é nosso.”
Curadoria: Coletivo Beture
Coordenação geral e direção artística: Simone Giovine
Produção executiva: Karen Ituarte
Coordenação de arte e curadoria de objetos: Julia Sá Earp
Projeto Expográfico: Estúdio Guanabara (Luisa Bogossian, André Daemon, Danilo Filgueiras, Gabriel Candido)
Identidade Visual: Estúdio Afluente
Cenografia: Cenomarte
Localização: MAC – Niterói / RJ
Ano: 2023
Área: 250m²
Fotos: Simoni Giovini, Estúdio Guanabara